16 de abr. de 2024

MÚSICA

 

Dizer-te palavras desnudas       

furtadas da tua própria boca

 

Que vales, florestas, montanhas

trilhei para chegar em teu corpo

de conchas e estrelas-do-mar?

 

No espaço do teu rosto sereno

ensaia o aroma suave das pétalas

 

Em qual música irei te escutar?


15 de abr. de 2024

MAIS UM POEMA DE OUTONO

 

Desvendar assim o dia

        na candura das folhas acesas

 

Sei da escuridão

que trago no peito agora

não resistirá

a correnteza dos ventos

        do céu de afetos e constelações

 

À beira do outono

como explicar este poema

que de mim partiu,

            celebrando tua chegada?

 

FRAGMENTOS

 

Todas as velas içadas no porto

viagens a transpor barreiras de sal

 

Não basta conhecer o mar

é preciso romper como os barcos

deslizar nas profundas ondas brancas

que nos molham a vida

 

Cada dia, partimos inteiros

nem sempre o regresso é possível

partes ficam à deriva

nós incompletos chegamos

 

O mar que nos devolva um dia

os fragmentos por aí deixados

as horas perdidas no assombro do medo

e a memória constante das descobertas


FORA DO TEMPO

 

Sabia antes

o que não disse

naquele momento

 

Sabe agora

o que aprendeu

com aquele momento

 

Saberá depois

que naquele momento

foi-se o tempo

 

30 de mar. de 2024

CAMINHO SEM VOLTA

 

Debrucei

sobre a manhã                                        

que chegava

para ouvir tua voz

renascer

 

Se me olhas

viro fogo farto

 

Se me queres

sou caminho

sem volta


UM LIVRO SOBRE A MESA

 

Um espaço

um medo

um dia sem firmeza

ardo-me

como corpo consumido

pelas chamas

de si

 

Uma porta

uma luz

um livro sobre a mesa

tomara

que sejam seus

os versos

que leio

agora


28 de mar. de 2024

SÓ OS BICHOS SÃO ETERNOS

 

No abraço do sol acordar

entre folhas e fontes de cristal    

 

Os pássaros se aconchegam na árvore

do tempo

 

Os peixes conversam no rio

sobre asas de borboletas

 

O brilho dos olhos felinos

segue a trilha do mato bendito

 

O silêncio alinhava as manhãs

dos jabutis

 

Desconfio que só os bichos

são eternos


DIALETO

 

Nosso dialeto

não tem tradução

só você entende

o que não falo

só eu entendo

a sua respiração

 

Ficamos lado a lado

num livro de poemas 


QUINTAL

 

Leva nas mãos  

a urgência

de desvendar

o tempo

 

Calmarias

tempestades

apreço pela poesia

 

Nesse instante

seu quintal

é toda palavra

que segue

as ruas do mar

 

Leva nas mãos

um abismo profundo

perigoso mistério

de quedas provisórias


26 de dez. de 2023

PAIOL

 

Com um mapa nas mãos

sentiu que alcançaria breve

o paiol de suas incertezas

 

Em pleno dia de sol

os pensamentos permaneceram ali

trancados de medo

 

Foi observando

o quanto se afastava de si

ao deixar a chave escondida

 

Como pássaro em armadilha

debateu-se sozinho

até descobrir o mundo

 

Seguiu intenso e feliz

na frente um farol

e um estranho desejo de voar


O POEMA E A PEDRA

 

No dia

em que as horas passaram

sem vida

viu crescer o poema

na pedra

ambiente inóspito

para as palavras

 

O dia morreu

 

O poema e a pedra

vivos

continuam


19 de dez. de 2023

METAMORFOSE

 

Ora ave

ora gente

transmutar

de um ser

para o outro

faz teu corpo

ondular

na exuberância

do céu

 

Pertinho

das águas

quis ser peixe

também

talvez se vestir

de sereia

para cantar

Odoyá

 

Seu vestido de ave

gente

peixe

rodou por inteiro

e encheu

de rio

o seu peito

de mar